terça-feira, 21 de agosto de 2007

"A vida dói" - Iberê Camargo


"A vida dói. Para mim o tempo de fazer perguntas passou. Penso numa grande tela que se abre, que se me oferece intocada, virgem. A matéria também sonha. Procuro a alma das coisas. Nos meus quadros o ontem se faz presente no agora. Lanço-me na pintura e na vida por inteiro, como um mergulhador na água. A criação é um desdobramento contínuo, uníssono com a vida.
O auto-retrato do pintor é pergunta que ele faz a si mesmo, cuja resposta também é interrogação. A verdade da obra de arte é a expressão que ela nos transmite. O homem é um misto de bem e de mal.
O que define o caráter do indivíduo é a prevalência maior ou menor de perfeição ou de imperfeição, isto é, do bem ou do mal que convivem no âmago do ser.
Sou um andante. Carrego comigo o fardo do meu passado. Minha bagagem são os meus sonhos. Como meus ciclistas, cruzo desertos e busco horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza. Realidade e miragem se confundem. Os quadros que pintam são visões que em breve serão fósseis semeados à margem de meu rastro. Viver é andar, é descobrir, é conhecer. As coisas estão enterradas no fundo do rio da vida. Na maturidade, no ocaso, elas se desprendem e sobem à tona como bolhas de ar.
Eu antes de iniciar a viagem – o quadro – consulto minha bússola interior e traço um rumo. Mas quando estou no mar grosso, sempre sopra um vento forte que me desvia da rota pré-estabelecida e me leva a descobrir o novo quadro.
Caminho para o ignorado com o mesmo ânimo com que vivo. Continuarei polindo minha pedra com a paixão de sempre, até que o sono me vença. Não pinto o que vejo, mas o que sinto. Na velhice perde-se a nitidez da visão, e se aguça a do espírito. A deformação é a expressividade da forma. A diferença talvez esteja no tempo. Elas, as experiências passadas, é que se misturam ao presente."

Um comentário:

Moa disse...

MARAVILHOSO!
PRICIPALMENTE A PARTE QUE FALA SOBRE NÃOSE FAZER MAIS PERGUNTA ALGUMA!
ME SENTI BEM COM MINHA LOUCURINHA!